O processo de tradução da Bíblia
INTRODUÇÃO
MAURICIO BERWALD
Os italianos, por causa de sua aversão aos tradutores, costumam dizer: “Tradutore, traditores”, como se todos os que se põem a verter um texto para o vernáculo prestassem um desserviço á cultura pátria. Veremos nesta lição, contudo, que o tradutor não é, de forma alguma, um traidor. E, sim, alguém que, muitas vezes, sob o manto do anonimato, colocam-nos em contato com as grandes realizações do gênio humano.
Imaginemos se a Bíblia Sagrada ainda estivesse nas línguas originais. Quem haveria de refugiar-se em suas promessas e alianças? Certamente, os eruditos que se dedicam ao hebraico bíblico; e os que, entranhando-se no koinê, se esforçam por entender a mensagem do Cristo e de seus santos apóstolos.
Mas, graças a Deus, porque as Sagradas Escrituras acham-se á disposição de quase todos os seres humanos.
Nesta lição, veremos, em linhas gerais, como se faz uma boa tradução da Bíblia. As noções que, a seguir, daremos, serão utilíssimas àqueles que, no campo missionário, terão de, eventualmente, traduzir a Palavra de Deus para algum idioma que, ainda, não foi enriquecido com uma versão da Bíblia.
“E leram o livro, na Lei de Deus, e declarando e explicando o sentido, faziam que, lendo, se entendesse” (Ne 8.8).
“Havia intérprete entre eles” (Gn 42.23).
III. OS REQUISITOS DE UM BOM TRADUTOR DA BÍBLIA
“Há no teu reino um homem que tem o espírito dos deuses santos; e nos dias de teu pai se achou nele luz, e inteligência, e sabedoria, como a sabedoria dos deuses; e teu pai, o rei Nabucodonosor, sim, teu pai, ó rei, o constituiu chefe dos magos, dos astrólogos, dos caldeus e dos adivinhadores. Porquanto se achou neste Daniel um espírito excelente, e ciência, e entendimento, interpretando sonhos, e explicando enigmas, e solvendo dúvidas, ao qual o rei pôs o nome de Beltessazar; chame-se, pois, agora Daniel, e ele dará interpretação” (Dn 5.12).
De acordo com este texto, podemos enumerar os requisitos básicos de um bom tradutor da Bíblia Sagrada. Usaremos as mesmas palavras utilizadas pelo rei babilônio que, por desconhecer a terminologia teológica hebraica, assim descreve os dons do profeta Daniel. O tradutor da Bíblia, portanto, deve:
“E, à hora nona, Jesus exclamou com grande voz, dizendo: Eloí, Eloí, lemá sabactâni? Isso, traduzido, é: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Mc 15.34).
De conformidade com Raymond Elliot, “as metas da tradução podem ser sumariadas em quatro tópicos: exatidão, adaptação, naturalidade e forma”.
Nesta tradução, o evangelista foi, não somente exato, mas piedosamente fiel; traduziu a palavra hebraica almah por virgem, e não por jovem, como teimam alguns modernos exagetas.
A tradução, por conseguinte, tem de ser literária e não literal.
Se fôssemos, por exemplo, traduzir, literalmente, Naum 1.3, ninguém haveria de compreender a referida passagem, que ficaria, mais ou menos, assim: “O Senhor tem longas narinas”. O bom tradutor, porém, compreendendo como compreende a índole e o gênio da língua hebraica, sabe que o profeta, naquele momento, referia-se ao Supremo Ser como aquele que, tendo excelente fôlego, prende a respiração, conta até ao infinito, antes de agir contra os impenitentes filhos dos homens. Noutras palavras: Deus possui um fôlego longuíssimo; é paciente e longânimo. Por isto, esta é a melhor tradução: “O SENHOR é tardio em irar-se” (Na 1.3). O tradutor foi exato? No entanto, viu-se obrigado a fazer as adaptações pertinentes, a fim de que viéssemos a entender este arcano de Deus.
Observe como este texto sagrado é natural e belo em português: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16).
CONCLUSÃO
No encerramento destas considerações, citaremos os conselhos do rei Dom Duarte de Portugal àqueles que, no século XV, dedicavam-se ao ofício de tradutor:
“Primeiro: conhecer bem a sentença do que há-de tornar, e pô-la inteiramente, não mudando, acrescentando, nem minguando alguma cousa do que está escrito.
“O segundo: que não ponha palavras latinadas, nem de outra linguagem, mas tudo seja em nossa linguagem escrito, mais achegadamente ao geral bom costume do nosso falar que se pode fazer.
“O terceiro: que sempre se ponham palavras que sejam direita linguagem, respondentes ao latim, não mudando umas por outras, assim que onde ele disse por latim scorregar não ponha afastar, e assim em outras semelhantes, entendendo que tanto monta uma como a outra; porque grande diferença faz, para se bem entenderem, serem estas palavras propriamente escritas.
“O quarto: que não ponha palavras que, segundo o nosso costume de falar, sejam havidas por desonestas.
“O quinto: que guarde aquela ordem que igualmente deve guardar em qualquer outra cousa que escrever deva, scilicet: que escreve ousa de boa substância claramente, para se bem poder entender, e formoso o mais que ele puder, e curtamente quanto for necessário, e para isto aproveita muito paragrafar e apontar bem”.
FONTE CPADNEWS / WWW.MAURICIOBERWALD.COMUNIDADES.NET